Segundo dispõe o art. 316 do CPP, de ofício ou a pedido das partes o juiz pode revogar a prisão preventiva se, no curso da investigação ou do processo, constatar a inexistência de motivo para que subsista a cautelar, assim como pode de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

Em suma, o juiz pode, a requerimento das partes ou por sua iniciativa, revogar a prisão preventiva por ele mesmo decretada, desde que surja fato novo que não mais justifique a segregação cautelar. Não se estabelece, assim, uma situação irrevogável, mas, antes, uma apreciação da causa no estado em que se encontra (rebus sic stantibus). De acordo com a parte final do dispositivo, nada impede, ainda, que, revogada a medida, surjam posteriormente motivos que autorizem nova decretação. Neste caso, porém, diferentemente da decisão que revoga, sempre deve haver provocação, vedada que é a decretação de ofício.

O dispositivo reforça a ideia de transitoriedade inerente à prisão preventiva. Com efeito, enquanto a prisão em flagrante se apoia na certeza visual do crime, a prisão preventiva se satisfaz com meros indícios suficientes de autoria, na dicção do art. 312 do CPP. Daí seu caráter de exceção, que a faz cabível apenas nas situações taxativamente elencadas na lei e impõe, ademais, a revisão a todo o tempo, seja para revogação, quando já decretada, seja para decretá-la novamente.

Considerando “a preocupação da magistratura com as situações de prisão provisória com excesso de prazo ou a manutenção da privação da liberdade após o cumprimento da sua finalidade”, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou em 2009 a Resolução nº 66, na qual determina que, estando o réu preso provisoriamente há mais de três meses, com o processo ou inquérito parado, cumpre ao juiz (ou ao relator, tratando-se de recurso), investigar as razões da demora, indicando, ainda, as providências adotadas, a serem posteriormente comunicadas à Corregedoria Geral de Justiça ou à Presidência do Tribunal (no caso do relator). A propósito, como observam Alberto Silva Franco e Maurício Zanoide, sendo o juiz “obrigado a declinar os motivos da demora sempre que concluir a instrução fora do prazo, com maior razão deverá fundamentar a necessidade da prisão cautelar, se o arco de tempo processual, a que alude Chiavario, previsto para um determinado procedimento, estiver consumido” (Código de Processo Penal e sua Interpretação Judicial, 2ª ed., vol. 1, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 279) (grifo original).

Para reforçar o caráter transitório da prisão cautelar e garantir que os fatos utilizados para justificar a prisão lhe sejam contemporâneos, a Lei 13.964/19 acrescentou ao art. 316 do CPP um parágrafo que, seguindo o espírito da resolução do CNJ, obriga que o órgão emissor da decisão revise a necessidade de sua manutenção a cada noventa dias, mediante decisão fundamentada, sob pena de se caracterizar o constrangimento ilegal que pode resultar na concessão de habeas corpus.

Em decisão proferida recentemente, a 6ª Turma do STJ (seguindo o que já havia decidido a 5ª Turma) concluiu que a obrigação imposta atinge apenas o próprio órgão que decretou a prisão. Com efeito, o parágrafo único do art. 316 dispõe que “deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção”. Por isso, se, por exemplo, o juiz decide pela manutenção da prisão preventiva na sentença condenatória, o Tribunal de Justiça (ou o TRF, conforme o caso) não é obrigado a revisar a necessidade de manter a prisão enquanto tramita o recurso de apelação:

“1. A obrigação de revisar, a cada 90 (noventa) dias, a necessidade de se manter a custódia cautelar (art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal) é imposta apenas ao juiz ou tribunal que decretar a prisão preventiva. Com efeito, a Lei nova atribui ao “órgão emissor da decisão” – em referência expressa à decisão que decreta a prisão preventiva – o dever de reavaliá-la.

2. Encerrada a instrução criminal, e prolatada a sentença ou acórdão condenatórios, a impugnação à custódia cautelar – decorrente, a partir daí, de novo título judicial a justificá-la – continua sendo feita pelas vias ordinárias recursais, sem prejuízo do manejo da ação constitucional de habeas corpus a qualquer tempo.

3. Pretender o intérprete da Lei nova que essa obrigação – de revisar, de ofício, os fundamentos da prisão preventiva, no exíguo prazo de noventa dias, e em períodos sucessivos – seja estendida por toda a cadeia recursal, impondo aos tribunais (todos abarrotados de recursos e de habeas corpus) tarefa desarrazoada ou, quiçá, inexequível, sob pena de tornar a prisão preventiva “ilegal”, data maxima venia, é o mesmo que permitir uma contracautela, de modo indiscriminado, impedindo o Poder Judiciário de zelar pelos interesses da persecução criminal e, em última análise, da sociedade.

4. Esse mesmo entendimento, a propósito, foi adotado pela QUINTA TURMA deste Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do AgRg no HC 569.701/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, julgado em 09/06/2020, DJe 17/06/2020: “Nos termos do parágrafo único do art. 316 do CPP, a revisão, de ofício, da necessidade de manutenção da prisão cautelar, a cada 90 dias, cabe tão somente ao órgão emissor da decisão (ou seja, ao julgador que a decretou inicialmente) […] Portanto, a norma contida no parágrafo único do art. 316 do Código de Processo Penal não se aplica aos Tribunais de Justiça e Federais, quando em atuação como órgão revisor.”

5. Na hipótese dos autos, em sessão realizada em 24 de março de 2020, o Tribunal de origem julgou as apelações (da Defesa e da Acusação) e impôs ao Réu, ora Paciente, pena mais alta, fixada em mais de 15 (quinze) anos de reclusão – o Magistrado singular havia estabelecido a pena em mais de 13 (treze) anos de reclusão.

6. No acórdão que julgou as apelações, nada foi decidido acerca da situação prisional do ora Paciente, até porque a Defesa nada requereu nesse sentido. Assim, considerando que inexiste obrigação legal imposta à Corte de origem de revisar, de ofício, a necessidade da manutenção da custódia cautelar reafirmada pelo juízo sentenciante, não há nenhuma ilegalidade a ensejar a ingerência deste Superior Tribunal de Justiça, sob pena de indevida supressão de instância.

7. Ademais, em consulta ao sítio eletrônico do Tribunal de origem, vê-se que o recurso especial e o recurso extraordinário interpostos pela Defesa do Paciente foram inadmitidos em 03/07/2020; em 13/07/2020 foi interposto agravo em recurso especial e eventual juízo de retratação ainda não foi realizado. Desse modo, os autos ainda não foram encaminhados a esta Corte Superior.

8. Ordem de habeas corpus denegada” (HC 589.544/SC, j. 08/09/2020).

 


 

Matéria publicada no website Meusitejuridico.com.br, por Rogério Sanches Cunha, em 23/09/2020.